quinta-feira, 13 de junho de 2013

Viuvezes


- Você não me deu atenção e, agora, a minha amiga morreu!

A voz do Domenico, ao telefone, revelava dor e revolta.Fazia sentido. Seis meses antes, a amiga dissera-lhe que temia ser morta pelo marido. Descobrira que , antes de se casarem,ele enviuvara por três vezes. Convencido das razões dela, pediu-me que investigasse o sujeito.Não convencido, não investiguei.

- Morreu de quê?

- De infarto.

Nenhuma novidade. As outras três mulheres também haviam morrido de causas naturais.Tínhamos um empate, até então: dois infartos e dois derrames.Poderia ter repetido a meu amigo que nada havia a ser apurado; para ele esquecer aquele assunto, porém, levando em conta o momento de dor e angústia dele e, admitamos, certo peso de consciência meu, convidei-o para uma conversa em meu escritório.

Vejo à minha frente, agora, um homem dominado pelo desalento:

- A gente poderia ter evitado... Você poderia ter evitado...

- O quê? Um infarto? O médico não lhe disse que ela tinha problemas de coração há muitos anos, vivendo sob permanentes cuidados médicos? E que um infarto era iminente, até porque se tratava de uma septuagenária?

- Sim, mas , e as outras?

- Pelo que sabemos, todas tiveram mortes normais, se é que podemos chamar a morte de normal em qualquer circunstâcia. Os médicos atestaram as causas , mostraram históricos clínicos, etc, etc.

- Mas você há de convir que foi muito estranho ele esconder de minha amiga as três primeiras viuvezes. Quando se conheceram, disse que tinha se casado apenas uma vez. Ela descobriu a existência das duas primeiras ex-esposas por acaso, mexendo em uns documentos. Não é esquisito? Foi isso que a vez ficar desconfiada e comunicar-me seu receio de que algo funesto lhe pudesse ocorrer.

- Ele pode ter omitido as tres três viuvezes anteriores por medo de que sua amiga não casasse com ele.Afinal, mesmo podendo provar a naturalidade das mortes das ex-mulheres, não poderia evitar que a então namorada visse nele um urubu de mau agouro, não é mesmo?

Meu pequeno gracejo deixou Domênico mais relaxado.Aproveitei para arrastá-lo ao café do térreo, nosso ponto preferido para conversações . Entre um gole e outro de cremoso com raspas de limão, procurei convencê-lo que o caso tinha muito de bizzaria e nada de criminoso. Afinal, minha experiência de 30 anos em investigações criminais não lhe garantiam nada?

- Em consideração à memória de minha amiga, não dava para você tentar levantar alguma coisa?

Seus olhos eram súplices e foi mais em consideração a eles que resolvi colocar meu nariz no asssunto.. E o que obtive, após alguns dias, foi os seguinte: 1) duas das ex- mulheres tinham 65 anos; uma 68 e a outra , a amiga de meu amigo, 70; 2) todas com saúde precária, o que não é de se admirar; 3) o sujeito tinha 51 anos e , a não ser por uma tosse nervosa, saúde de ferro. A primeira conclusão ante tais fatos é a altíssima probabilidade das mulheres morrerem antes dele.

Teríamos, então, um padrão? Ele as escolhera na certeza da própria viuvez.? Que, se não ocorresse naturalmente, poderia ser ajudada sem grandes esforços: um susto aqui para causar infarto; um pouquinho de sal a mais na comida ali para detonar derrames? Tudo muito lógico, se os relatórios médicos não mostrassem o contrário. Nada de fatores precipitantes, apenas o curso normal da vida e da morte. E depoimentos de familiares e amigos, tomados da maneira mais discreta possível, revelaram-me um marido atencioso, fiel, regrado, com quem uma mulher poderia até morrer de tédio, mas não de sustos.E mais: todas elas passaram a ter melhores planos de saúde, pagos por ele, após o casamento.

Era o que estava dizendo a meu amigo, no primeiro relatório após minha saída a campo, quando me interrompeu, excitado:

- Está evidente. Ao escolher mulheres doentes que, com certeza, morrerão antes dele, segue um plano meticuloso!

- Está bem-retruquei. E qual o motivo?.

- Dinheiro!

- Não. Todos os casamentos foram contraídos no regime de comunhão parcial de bens. Ou seja, um não herdaria bens amealhados antes pelo outro.E mesmo que fosse comunhão total, não há nada proibindo alguém de ficar com os bens do cônjuge morto do jeito que Deus e a lei permitem Além disso, o sujeito tem mais posses que as quatro mulheres juntas.Era mais provável que elas o matassem por dinheiro do que ele a elas. Duas eram viúvas, vivendo das modestas pensões dos ex-maridos, e as outras duas, soleironas aposentadas.É relevante acrescentar que seus bens foram adquiridos de maneira honesta, em mais de 30 anos de trabalho como advogado.

- Então, ele é um psicopata.

- Deve ser um caso único na psicopatologia criminal.Posso até ver as manchetes: “ Casava com mulheres mais velhas e doentes só para vê-las morrer, de morte natural, antes dele!” .

- Pode brincar, mas ainda acho muito esquisito essa sucessão de viuvezes..

- Pode ser esquisito, mas não criminoso.Portanto, não há nada a ser investigado.

Ao separarmo-nos, senti que, apesar da minha forte argumentação, meu amigo não estava totalmente convencido. E , dias depois, procurou-me, mais excitado ainda.

- Descobri uma coisa que pode levar-nos a concluir este caso.

Como se vê, já éramos parceiros em uma investigação criminal

- Havia algo em comum entre as mulheres- continuou, sem dar-me tempo para qualquer pergunta. As quatro tinham jazigos, adquiridos em cemitérios particulares, estes memoriais que proliferam por aí.

Parou e recuperava o fôlego, com ar triunfante, enquanto eu tentava entender por que o fato de terem literalmente onde cair mortas levaria um homem a casar-se com mulheres mais velhas , doentes e metaforicamente sem terem onde cair mortas.. Ousei expor a dúvida, o que o deixou perto de um estado de fúria:

- E sou eu que tenho de saber? Não é você o detetive? Apenas trouxe os fatos novos, que você não teve a competência de levantar antes.

Dito isso, pontuando palavras enfáticas com largos gestos, foi embora. Minutos após sua saída, conclui ser bem razoável a descoberta. Um homem casa com mulheres pelo menos 20 anos mais velhas; com moléstias graves, todas proprietárias de jazigos particulares... Não. Não podia ser tudo coincidência.Estava na hora do ataque frontal. Eu e o bizarro multiviúvo precisávamos conversar.

Aceitar o convite para uma entrevista mesmo sabendo que eu era investigador de polícia- e de minha intenção de apurar fatos relacionados a seus últimos quatro casamentos- não foi o que mais me surpreendeu naquele homem. O inusitado foi ele dizer que já estava esperando há muito tempo um contato daquele tipo.

E, quando me vi em seu escritório doméstico,ele por trás de uma escrivaninha de modelo antigo;eu na poltrona em frente, como um candidato a emprego diante do futuro patrão, outra não poderia ser a minha primeira pergunta:

- Por que o senhor estava aguardando há muito tempo um contato comigo?

- Não era bem com o senhor-respondeu, pausadamente. Tinha uma voz suave , compatível com sua baixa estatura, um metro e sessenta e cinco, se tanto, e massa ( uns 70 quilos, se muito).

- Na verdade- continuou- eu esperava a visita de um representante de polícia, que tanto poderia ser o senhor, como outro.

Fui, então, direto ao assunto. Disse que estava ali em carater informal, pois não havia nenhum procedimento investigatório oficial contra ele. Agradeci por ter-me recebido. Expliquei o que me motivara a procurá-lo, as suspeitas de sua última esposa, a interferência de meu amigo, etc.

Continuou não se mostrando surpreso.Passou a mão direita pelos já ralos fios de cabelos no alto da cabeça, recostou-se no espaldar alto da cadeira, e abriu o verbo.

- Sim, seu amigo está certo. Nada foi coincidência, nem mesmo os jazigos particulares, pois fui eu que os comprei..As mulheres foram escolhidas por causa de todas as caracteractísticas já citadas.Cuidei delas o melhor que pude, mas tendo a quase certeza de que não conseguiria evitar que morressem antes de mim.Era isso que eu esperava, mas, é claro, que não ocorresse por minha causa. Daí minha preocupação com a saúde delas, seu bem estar. As duas primeiras não tiveram nenhum motivo de queixas.

- E as outras? Que queixas tiveram?- perguntei, camuflando a ansiedade gerada por uma possibilidade que nem eu mesmo sabia aquilatar qual seria.

- Reclamaram da mesma coisa: de terem descoberto, por acaso, que eu não enviuvara apenas uma vez, como lhes havia dito antes do casamento.É claro que eu mesmo encarreguei-me de que as duas descobrissem, como se fosse por acaso, a existência das outras viuvezes.

- E por que fez isso?

- Para que ficassem desconfiadas e, de uma maneira ou de outra, fizessem os fatos chegarem ao conhecimento da policia. A terceira ficou meio chateada uns dias, mas não mais tocou no assunto, de onde concluí que não fora afetada além disso. Já a quarta, a amiga de seu amigo, fez exatamente o que eu esperava: mentalizou suspeitas, que acabaram contaminando terceiros, principalmente a polícia.

- Isso é profundamente contraditório. Se o senhor não cometeu nenhum crime; parece que foi até um benfeitor, por que, mesmo assim, fez tudo para que pensassemos o contrário.Com que objetivo?

O homem levantou-se, contornou a mesa. Previ que iria começar uma argumentação lógica. Era, afinal, um advogado, com experiência em júris, igual a muitos que eu vira atuar em julgamenos ao longo de minha carreira policial.

- Se o senhor olhar em volta, verá que a maioria dos livros nessas estantes é da área criminal. Observando melhor, notará que pelo menos metade das prateleiras abriga relatos de fatos policiais.Sou mais que um profissional do assunto, sou um estudioso.

Fez uma pausa, como a me dar tempo para confirmar suas palavras, o que fiz percorrendo com o olhar os quatro cantos da biblioteca.

- Minha primeira esposa – prosseguiu- foi a mulher a quem realmente amei.Fomos casados por 15 anos.Após sua morte, pensei ter perdido o sentido da existência. Descartei qualquer possibilidade de novos casamentos, a não ser que tivesse, para isso, um motivo mais forte do que solidão e sexo. E esta motivação chegou quando descobri que poderia conciliar casamentos com a montagem de uma tese jurídica sobre um assunto que foi minha obsessão por mas de 20 anos: o das evidencias de um crime. Quantos clientes tive que foram condenados com base apenas nas evidências coletadas por policiais? Apoiadas nelas, promotores hábeis convenceram jurados a colocarem homens inocentes atrás das grades.

- E o senhor acha que conseguiu avanço em sua tese com estes casamentos planejados?

- Tive certeza disso quando o senhor, considerado o mais hábil – e, por isso, mais famoso- detetive da cidade, telefonou-me para marcar essa entrevista. Consegui incitá-lo a começar uma investigação e concluir, por dedução própria, que evidências não garantem crimes. E mais: que por trás de um comportamento aparentemente criminoso pode esconder-se toda uma ação de benemerência.

- E isso terá alguma utilidade maior, além de agradar a seu ego pelo fato de ter manipulado e humilhado um policial?

- Toda essa história que vivi e que o senhor, sem querer, acabou vivendo, está documentada. Será de grande valia para a análise de criminalistas futuros.

Dito isso, levantou-se, calmamente, e despediu-se. De volta ao meu escritório, repassando essa trama maluca, sem coragem de concluir se o seu principal protagonista também o era, montei a minha própria tese: a de que, se isso fosse literatura, teríamos o primeiro conto policial sem crime, nem solução.

6 comentários:

Anônimo disse...

Uma feliz quarta-feira pra você meu Anjo 👼 sorriso flor do mandacaru que seja muito abençoada e cheia de paz, amor 😘😇❤️

Paulo Mota disse...

Oi, querida Pequena. Hoje, acordei com a corda toda. Vou aqui, vou ali vou acolá., resolver isso e aquilo. Aí, quando estava quase na rua, foi que me toquei que era feriado. Metade do que tinha programado não iria dar para fazer. Esse negócio de terceira idade é fogo.

Paulo Mota disse...

Tenha uma boa e abençoada noite, com muitos bons sonhos. Bjs.

Anônimo disse...

Boa Noite meu Anjo 👼 sorriso flor do mandacaru, não é a idade tenho notado que várias pessoas tem se queixado da mesma coisa, se perder nos dias, ontem fui almoçar com uma amiga e a filha dela estava falando a mesma coisa rsrs e olha que ela só tem 43 anos. Eu também costumo me perder nos dias de semana kkk. Beijos tenha um bom descanso e ótimos sonhos 😘😇❤️

Anônimo disse...

Boa Noite meu Anjo 👼 sorriso flor do mandacaru, hoje com essa chuva acho que você não foi pra rua, né? Eu fiquei em casa. Beijos meu Anjo fica com Deus que Êle te proteja e guarde sempre 🙏😘😇❤️

Paulo Mota disse...

Boa noite, querida Pequena. Hoje só choveu aqui, e uma chuva bem fininha, por volta das cinco horas da tarde. Saí de manhã tranquilamente, cumpri alguns compromissos, sem problemas. Tenha um bom e abençoado descanso. Bjs.